MENINAS VENEZUELANAS SÃO OBRIGADAS A SE PROSTITUIR PARA NÃO MORRER DE FOME

A calamidade social generalizada que assola a Venezuela envolve todas as variáveis previsíveis em qualquer regime autoritário populista e falido: uma violência “digna” de guerra civil, que coloca o país entre os mais perigosos do planeta pelo índice de assassinatos; a censura, fechamento e perseguição habitual contra os meios de comunicação independentes; a inflação mais alta do mundo, que leva pilhas de cédulas de centenas de bolívares a não valerem nada; uma carestia permanente de produtos básicos de higiene, alimentos e medicamentos (incluindo o confisco de remédios doados pela Igreja); o escândalo criminoso da fome e, entre outras misérias especialmente dolorosas para um país que já esteve entre os mais prósperos do mundo, a proliferação da prostituição infantil e juvenil como tentativa desesperada de obter alguma coisa com a qual se alimentar – ainda que sejam bananas podres, jogadas fora pelos caminhoneiros de um mercado imundo de frutas, verduras e legumes, envolto por lama e fedor não apenas no sentido literal.


Este foi o cenário encontrado pela BBC no Mercado Los Plataneros, na calorosa Maracaibo.  A capital do Estado de Zulia, fronteiriço da Colômbia, registra toda semana a prisão de em média 10 mulheres acusadas de prostituição na região do mercado – 4 delas menores de idade, segundo o próprio comandante da Polícia Bolivariana, Daniel Noguera. No geral, as prisões terminam com breves conselhos e a liberação de todas, sem que iniciativas eficazes sejam postas em prática para resolver a situação dramática.

Os depoimentos de quem trabalha no local garantem que sempre há alguma indígena entre essas meninas, como é o caso de Mariela, nome fictício usado pela reportagem da BBC para proteger a identidade de uma garota de 14 anos pertencente à tribo wayuu. Ela ganha menos de 1 dólar por dia vendendo frutas entre os caminhões estacionados no mercado de Maracaibo. Embora afirme na frente da mãe que também estuda, a menina é apontada por seguranças, comerciantes e camelôs, junto com pelo menos outras 20 adolescentes, como uma das menores que vendem o corpo em troca de bananas, qualquer outro tipo de alimento em quantidades indigentes ou 25 a 50 centavos de dólar norte-americano por “programa“.

“Essas meninas estão aqui a toda hora. É um desastre. Elas vendem café ou bananas, mas começam a te tocar, falar besteiras. Eles se relacionam com elas dentro dos caminhões“, descreve Kelvin Rincón, vendedor de bananas, em referência ao que acontece de verdade com essas meninas e seus aproveitadores em meio ao movimento de caminhões que entram e saem do mercado e de crianças indígenas que perambulam pela sujeira vestindo trapos e pedindo esmolas.

Além das boleias, os programas também são feitos em pequenos apartamentos vizinhos ou até em barracões nos arredores do mercado, conforme o relato de Ilse Cruz, uma vendedora de café. Trata-se de prática comum e sabida por todos.

A prostituição na região do mercado é uma das tragédias que compõem um cenário de roubos, alcoolismo e consumo de drogas envolvendo pelo menos 100 meninos e meninas, a maioria indígenas, de acordo com Oswaldo Márquez, presidente da Associação de Comerciantes do Mercado de Maracaibo.

A numerosa presença de adolescentes indígenas nesse panorama de prostituição é comentada pelo antropólogo Mauro Carrero, professor na Universidade do Estado de Zulia: entre os wayuu, “a virgindade não é uma preocupação moral, como na concepção judaico-cristã. E nos dias de hoje ainda existe uma pressão adicional, que é a crise econômica“.

O bolivarianismo se apresenta como um sistema de governo “do povo e para o povo”, com a suposta inclusão social de todas as minorias e o respeito a todos os seus direitos. A constituição da Venezuela dedica um capítulo inteiro aos direitos das populações indígenas. Na prática, porém, “há um abandono total do ponto de vista social. Há fome, desemprego e pouca educação. Até os pais dessas meninas fazem vista grossa“, denuncia o deputado Virgilio Ferrer, integrante da Comissão de Povos Indígenas da Assembleia Nacional, atribuindo a proliferação da prostituição infantil entre as meninas wayuu ao desprezo efetivo pelas populações indígenas do país.

O censo de 2011 registrou 415 mil indígenas na Venezuela. A maior parte deles está concentrada nos povoados de Mara, Guajira e Almirante Padilla, todos no Estado de Zulia. A desnutrição infantil nesse Estado chega a 20% na média geral, conforme a Secretaria Estadual de Saúde, mas sobe para 30% no caso das populações indígenas.

A pobreza atinge nada menos que 80% dos 3,7 milhões de habitantes dessa região venezuelana, segundo pesquisas da socióloga e professora Natalia Sánchez, também da Universidade do Estado de Zulia. Ela compara: “Há dez anos, esse indicador estava em 55%. E, hoje, mais de 35% dessa pobreza geral está no nível extremo“.

Voltando ao mercado de Maracaibo, um operador de empilhadeiras chamado Jhonny ressalta o papel da fome como estopim para os demais desastres sociais do cotidiano naquele lugar: “É horrível. Às vezes, vejo as crianças comendo bananas podres que os caminhoneiros jogam fora“.

Horrível é também a decadência moral que leva homens de 40 anos a falarem natural e abertamente sobre o seu próprio consumo de prostituição infantil em frente a uma venda de sucos de laranja a 300 bolívares o copo – menos de um centavo de dólar. Esta cena foi flagrada pela reportagem da BBC. Os dois homens em questão, rindo do próprio crime, comentaram ao verem passar uma menina de minissaia: “Convidei essa menininha e ela aceitou. Tem 15 aninhos. Levei para o Gran Bazar (um centro comercial próximo, ndr.), ofereci duas cervejas e disse ‘venha’“.

A partir de matéria da BBC Brasil

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