ENTREVISTA COM ANDREA BOCELLI: ENTRE AS CERTEZAS DA FÉ E O "ABISMO DO VÍCIO"

Em uma longa entrevista concedida ao jornalista italiano Aldo Cazzullo, do Corriere della Sera, o tenor Andrea Bocelli fala da sua relação com a própria cegueira, vivida sem lamúrias, e de dois temas muito íntimos: a fé em Deus e o drama do “vício”. Alguns trechos da conversa:


Você tem fé?

“Sim. Acho evidente que a criação é um sistema inteligente. Uma pessoa razoável não pode confiar a vida ao acaso. Se eu vejo um edifício, tenho certeza de que alguém o construiu. Com mais razão ainda, o universo não pode ser fruto do acaso”.

Você também acredita na imortalidade da alma?

“Cem por cento. Quando meu pai morreu, eu tive, olhando para ele, a sensação fortíssima de que não tinha sobrado em seu corpo sequer um átomo dele. Nós somos o que está dentro desta ‘caixa’. Depois partimos para outro lugar”.

NOTA: É importante observar, porém, que, na doutrina cristã, o corpo físico faz parte indissociável da identidade única e irrepetível de cada pessoa humana. Para o cristianismo, nós não somos um “espírito preso a um corpo”: somos uma unidade de corpo e alma. Por isso a Igreja sustenta que, na vida eterna, seremos ressuscitados com o nosso corpo, plenificado em uma misteriosa forma gloriosa e imperecível, porque, sem ele, deixaríamos de ser nós mesmos. É devido a essa indissociável unidade psicossomática, aliás, que o corpo humano possui dignidade intrínseca.

Você nunca tem dúvidas?

“Tenho dificuldades para entender o sofrimento inútil e injusto. O sofrimento dos inocentes. As doenças das crianças”.

E qual é a resposta que você encontrou para isso?

“É uma ideia brilhante do maligno, para nos forçar a duvidar da existência de Deus”.

E quanto ao seu próprio sofrimento?

“A cegueira não me abalou muito. Sempre me senti em dívida com o mundo. Afortunado. Feliz”.

É verdade que, na juventude, você fantasiava amores impossíveis?

“Todos os amores eram impossíveis: no início, nenhuma garota me queria. Mas, desde a adolescência, sempre tive namorada”.

Por que o seu primeiro casamento terminou?

“Por falta de amor. Culpa minha, que era mais velho: ela só tinha 17, eu já tinha 30. Mas não consigo considerar um erro essa união da qual nasceram dois filhos maravilhosos, o Amos e o Matteo”.

Entre a separação e o encontro com a sua esposa Veronica, você foi, nas suas próprias palavras, um “brutal libertino”.

“Brutal não: eu sempre tentei deixar uma boa lembrança de mim, embora, algumas vezes, acho que causei pesar. Penso nisto como Nietzsche: o homem ama o jogo e o perigo; e a mulher é a jogadora mais perigosa”.

Que mulheres você escolhia?

“As que eu gostava. As que me despertavam alguma coisa. Que me davam a impressão de preencher a parte que faltava de mim”.

Como você entendia isso?

“O comportamento quer dizer muito. A atitude, o jeito de falar. Eu sempre gostei das mulheres de forte feminilidade. Mas nem os meus marcos afetivos me curavam da inquietação. A libertinagem vira uma droga. Toda noite você tem necessidade de atingir o seu objetivo. Na noite em que não consegue, você fica mal”.

Acontecia muito?

“Não. O sucesso torna tudo mais fácil. Mas, no fim, você acaba vazio. E se sente afundando no abismo do vício. Houve um momento em que eu estive muito perto”.

Dizem que Fidel Castro teve 35.000 mulheres…

“Eu não. Eu conheci a Veronica. Nós nos casamos e nos amamos muitíssimo. De manhã ela às vezes acorda com uma poesia que lhe escrevi durante a noite”.

Fonte: Aleteia