"BLACK FRAUDE": como Cristo reagiria ao “Tudo pela metade do dobro”

Detone os “(des)contos do vigário”: só nós podemos extinguir absurdos como aquele ar-condicionado de R$ 18.500,00...

Se a tal da Black Friday foi apelidada no Brasil de BLACK FRAUDE, não é apenas por causa da conhecida propensão nacional a fazer piadinhas sobre tudo e mais um pouco: foi é por “mérito” do grande número de absurdos cometidos por lojas, mesmo.

Um dos casos mais aberrantes nos anais da “Black Fraude” brasileira foi protagonizado por uma das maiores redes de supermercados do país: anunciando um desconto de 90% num aparelho de ar-condicionado tipo “Split”, de 12.000 BTUs, com a tecnologia “Inverter”, a rede o oferecia, no seu site, por R$ 1.799,90. Não, esse não era o valor normal sobre o qual seria aplicado depois o “superdesconto”: era o próprio valor já “promocional”. Ou seja, se esse aparelho estivesse mesmo 90% mais barato, ele teria custado originalmente a bagatela de R$ 18.498,90!


Ora, o caro leitor já viu algum aparelho de ar-condicionado residencial, de 12.000 BTUs, que custasse quase R$ 18.500,00?

Conforme os resultados de buscas em sites de comparação de preços, como o Buscapé, o tipo de aparelho anunciado naquelas “extraordinárias” condições é vendido normalmente por algo entre R$ 1.400,00 e R$ 2.300,00, aproximadamente – o que quer dizer que, mesmo fora de datas promocionais, já seria possível comprá-lo mais barato que no site com “90% de desconto”…

Esta “oferta” faz parte da triste “coletânea” reunida neste artigo do popular site de denúncias Reclame Aqui.

Sim, há casos em que podem ter ocorrido erros nos sites de vendas, sem intenções desonestas (o que suaviza, mas não isenta as lojas envolvidas de responderem por esses erros).

No entanto, há também casos de pilantrices descaradas que devem ser denunciadas sem dó.

Atenção ao golpe clássico

O golpe mais frequente perpetrado por bandidos que atuam como comerciantes é simples: antes da suposta “promoção”, eles lustram muito bem a própria cara com óleo de peroba e em seguida aumentam o preço do produto a tal ponto que ele chega perto de dobrar – ou supera de uma vez os 100% de aumento. Assim, na “Black Fraude” (ou em qualquer outra data “promocional”), basta anunciar um desavergonhado “desconto” de 50% e pronto: o comerciante corrupto conseguiu a proeza de aumentar a quantidade de vendas e até a margem de lucro ao mesmo tempo em que granjeou popularidade com uma “sensacional promoção”!

Foi esta “mágica”, aliás, o que rendeu o impagável slogan que resume boa parte das fantasias de “desconto” nesta última sexta-feira de novembro: “Tudo pela metade do dobro”.

É verdade que, legalmente, essas práticas podem, em muitos casos, nem sequer constituir crime: se um comerciante quer vender uma tampinha de garrafa por R$ 1.500,00, não há nada que o impeça – e quem não quiser pagar, que simplesmente compre a tampinha de garrafa em outra loja. A questão se torna mais complexa quando a um preço exorbitante é aplicado (e anunciado!) logo em seguida um suposto “descontão” que induz o consumidor a fazer um julgamento parcial e errôneo, a comprar o produto por causa dessa fachada promocional enganosa e, em decorrência dessa indução, a lesar o próprio bolso. Entra aqui a recorrente discussão ética: nem tudo o que é legal é moralmente aceitável.

Este é o passo que realmente nos fará progredir: superar o mero legalismo e adotar finalmente critérios éticos.


Enquanto isso…

O fato de que muitos consumidores estejam acordando e se mostrando menos trouxas não é garantia de que os picaretas vão ficar todos honestos na Black Friday deste ano – exatamente do mesmo jeito que uma quantidade preocupante de governantes, parlamentares, magistrados, empresários, funcionários públicos e funcionários privados continuam, apesar da Operação Lava-Jato e similares, roubando e atesourando de milhares a milhões de reais, euros e dólares em caixas de papelão, malas, cuecas e contas bancárias que “não são deles”, além de legislarem, sentenciarem e governarem em causa própria à custa dos brasileiros, que, seja como contribuintes, seja como consumidores, ainda pagam o dobro do dobro e não levam a metade da metade.

As coisas estão melhorando? Estão. É importante reconhecer. Mas ainda falta muita estrada para chegarmos à civilização – e não chegaremos enquanto nós próprios não fecharmos os atalhos e descaminhos do dia-a-dia.

Nesta sexta-feira, aumente em 200% a sua taxa de atenção e intolerância aos picaretas. Se você flagrar uma pilantragem, salve a imagem da tela, tire fotos, filme, reúna provas e detone a desonestidade nas redes sociais e nos sites de defesa do consumidor. Combater a injustiça que lesa o próximo é um dever de consciência cristã que não admite omissão.

Um dia funcionarão em nosso país mecanismos como consciência, ética e vergonha na cara – tenho certeza disso. Mas, por enquanto, se o que funciona ainda é o mecanismo do prejuízo no bolso, que ele seja aplicado sem nenhum desconto.

Na hora de ser implacável contra a ganância estafadora, lembre-se de que temos um exemplo nada menos que divino: Jesus Cristo expulsou do templo os mercadores desavergonhados na base da chicotada.