Já faz 19 anos que meu pai morreu em um terrível acidente com seu caminhão pesadamente carregado com botijões de gás. Era um sujeito simples, trabalhador e alegre, que adorava fazer as pessoas rirem de suas piadas (algumas bem sem graça, é verdade!) . Eu só me lembro de tê-lo visto chorar uma vez na vida. Foi quando ele se despediu de mim, depois de me deixar na cidade em que eu cursaria a minha faculdade. Dali para frente, a imagem daquele olhar embargado pelas lágrimas transformou-se no gatilho da minha motivação diante das angústia e dificuldades .
Também era um sujeito de fé. Não frequentava a Missa, mas dizia o sinal da cruz e o Pai-Nosso inteiro em latim – língua obrigatória no colégio em que ele estudara até a antiga quarta série primária.
Foi um devoto de Maria. Lembro-me de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida fixada por um ímã no painel de ferro do seu caminhão , bem ao lado do volante. De tão antiga, ela tinha partes coladas com massa aderente, a famosa Durepoxi.
Uma devoção que todos os anos o levava para um passeio até o Santuário Nacional de Aparecida, onde ele rapidamente rezava, rendia graças e renovava sua fé na padroeira do Brasil. Tento seguir essa tradição com minha esposa e meu filho. Aliás, a última viagem até lá foi especial, já que paramos no meio do caminho para visitar um amigo querido que há muito não via. Foi uma bênção!
Meu filho, de 8 anos, não conheceu o avô, e vive me perguntando coisas sobre ele. As fotos não são suficientes para satisfazer a curiosidade de um garoto nessa idade. Entre muitos questionamentos, ele quer saber como ele era fisicamente, como ele brincava com os netos, como era o caminhão dele, como foi a tragédia que o levou “para morar com Deus”. É inevitável: estas conversas sempre terminam em lágrimas (minhas e do meu pequeno).
Porém, dias atrás ele me fez uma pergunta diferente. Queria saber o que o “vô” Sanchinho dizia quando saía para viajar. Na hora, veio à minha mente a nítida imagem de meu pai sentando-se no banco coberto por um tecido felpudo azul escuro, fazendo o sinal da cruz, pedindo a proteção de Nossa Senhora Aparecida e dando partida em seu caminhão. Narrei o ritual para o meu filho, tentando ensiná-lo a rogar pela proteção de Nossa Senhora também. Mas a reação dele me surpreendeu:
– “Pai, Nossa Senhora não protegeu meu´vô´, porque ele morreu! Ela não ajudou em nada, nada”, disse o garoto em tom de revolta.
Naquela hora, tentei discorrer um pouco sobre o sentido da morte e destaquei que, se Nossa Senhora não estivesse ao lado dele, tudo poderia ter sido pior.
Entretanto, essa conversa me fez recordar de um artigo publicado aqui mesmo na Aleteia. Em A oração escondida no fim da Ave-Maria, Elizabeth Zuranski destaca a importância do pedido que fazemos no fim da Ave-Maria: “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Mais do que depressa, alertei meu filho sobre este pedido “escondido”, que passa despercebido até mesmo para os que mais acreditam. Disse-lhe que precisamos, sim, permitir que Nossa Senhora nos acompanhe, inclusive na hora de nossa morte. E que eu tinha certeza que ela acompanhou o meu pai na sua partida, não só por estar lá, representada na velha imagem remendada em seu caminhão, mas também abrindo os caminhos dele na sua chegada ao céu.
Não é fácil tratar destes assuntos com uma criança. Mas quando rezamos a Ave-Maria, no fim, ele sempre dá aquela olhada para mim, como se quisesse dizer: “entendi, mas não quero morrer e não quero que você morra”.
Essa devoção foi a herança mais valiosa que eu recebi de meu pai. E é a que eu quero deixar para meu filho. Aqui em casa, Nossa Senhora é o ímã que nos conecta a Deus, a nossa companheira de todas as horas, a nossa proteção nas nossas pequenas mortes diárias e – esperamos – o nosso alento na hora de nossa morte final. Amém.
Fonte: Aleteia
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