A BRISA LEVE DE DEUS NAS GRANDES TRAGÉDIAS HUMANAS

Há uma pequena história – ou estória (perdoem minha falta de referências) – que conta que em um campo de concentração, durante a Segunda Guerra, os nazistas penduraram na forca três judeus, dentre os quais uma criança, e obrigaram os demais prisioneiros, em fila indiana, a se defrontarem com a trágica cena. Diz-se que, a certa altura, um dos judeus, ao passar em frente à mórbida trindade, questionava em voz quase inaudível: “Por que, Deus? Deus, cadê você? Cadê?”. O sujeito atrás dele, que ouvia seu precário murmúrio, respondia-lhe mentalmente “Está aí, à sua frente! Deus está aqui!”, olhava para os mortos e pensava em voz alta “Deus está aqui”. 


Na mitologia cristã, o silêncio de Deus é relatado, entre outros, por Matheus (27,45), em que Jesus, pregado à cruz, vê-se diante da grande questão: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Na versão cristã do acontecimento, a resposta é a permanência de um sonoro silêncio. A quietude das catástrofes humanas, como uma espiral de dor e aprendizado, repete-se ao longo dos séculos.

O avanço do tempo, das sociedades e das tecnologias nos transportou à era secular, mas não nos livrou dos horrores coletivos, e o exemplo do nazismo é autoexplicativo. As sociedades pós-século XX passaram a se defrontar com as tragédias aéreas. Nesse curto espaço de poucas décadas são centenas, talvez até milhares de acidentes quase sempre fatais. O mais recente ocorreu na madrugada da terça-feira, 29-11-2016, em que 71 pessoas morreram, dentre elas quase a totalidade da equipe da Chapecoense e mais de 20 profissionais de imprensa. O evento,  às vésperas de uma final de campeonato continental, entra para a história como a maior tragédia do futebol de todos os tempos. Clubes do mundo inteiro prestaram suas homenagens ao time de Santa Catarina.

Diante do torpor do episódio, há toda sorte de clamores de familiares, de torcedores, de amigos, de colegas, mas todos eles convergem para a mesma e irrespondível pergunta de quase dois mil anos: “Por quê?”. Paulo Paixão, ex-preparador físico da Seleção Brasileira de futebol, teve a infelicidade de perder seu filho, Anderson Paixão, no acidente. Diante da notícia, com a serenidade de quem sabe que a totalidade da vida é inexplicável, disse. “Quis o bom Deus que eu passasse por isso mais uma vez”, resignou-se o pai ao comentar e testemunhar pela segunda vez a morte de um filho.

Para os cristãos, a primeira semana de advento (que é celebrado nos quatro domingos que antecedem o Natal) tem o significado da vigília, da necessidade de tentarmos compreender nosso tempo, onde estamos, quem somos. Não deixa de ser significativo que uma grande tragédia ocorra em tempos como estes, seja ela providência divina ou puro acaso. No fundo, isso não importa. São, no final das contas, chaves de leitura para um mesmo evento. Contudo, diante da intolerância nossa de cada dia, não é pouco ver unidos tantos milhares de torcedores adversários, cuja humanidade é convocada para confortarmos uns aos outros em um dos momentos de maior dor e consternação.

Diante do sofrimento, que possamos ser capazes de sentir a brisa leve de Deus em todas as coisas, inclusive nas grandes tragédias humanas, porque, como publicou em nota o clube Atletico Nacional da Colômbia, adversário da Chapecoense na final da Sulamericana de 2016, “hay que jugarse la vida entera por los sueños”, afinal, nunca são somente 90 minutos.
Força Chape! Estamos com vocês!
Ricardo Machado, Jornalista